Fontes
Arvore Genealogica da Família Serra (Cap.III), Pág. 10.
Misérias e Grandezas das Terras de Bougado - I Parte. Págs. 128 a 139 Livraria SóLivros de Portugal, 1981. |
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António Moreira da Fonseca Sampaio
* Porto, Trofa, (Casa de Real) 24.07.1879 + Porto, Trofa, São Martinho de Bougado 30.01.1969 Pais
Casamentos Porto, Santo Tirso 17.11.1915
Notas Biográficas
- Filho de lavradores, cedo começou a imiscuir-se nos trabalhos do campo, comungando com os jornaleiros e criados das canseiras árduas do trabalho realizado ao sol e à chuva.
- Jovem, de foucinha em punho, colocava-se à frente do rancho de ceifeiros, impondo a marcha, passeando-se assim de campo em campo tombando as searas maduras numa operação que fazia parte – e faz – da produção do pão.
- Vigoroso, colocava-se deitado de costas debaixo do carro do milho trazido do campo e, com os pés, aplicando-os num dos lados da parte inferior do carro, tombava-o preparando a desfolhada para a noite que se aproximava. Este esforço demasiado deixou-lhe marcas no corpo, entortando-lhe um joelho, mazela que lhe havia de ficar vida fora.
- Este incidente alterou a vida toda do Sampaio, marcando-lhe o destino que Deus permitiu, afinal, para bem de todos. Diminuído fisicamente teve de abandonar os duros trabalhos do campo e dedicar-se a outras actividades.
- Primeiramente foi moleiro e lambiqueiro. No inverno, as noites passadas junto ao alambique era pretexto para convívio. Aí se juntava a mocidade masculina da época aproveitando para fazer patuscada da ordem. Uma vez foi combinada uma arrozada de frango. Para isso apanharam a primeira galinha – galinha depois de cozida frango é – que lhes apareceu e toca a cozinhar e a comer. No dia seguinte os intervenientes na farra estavam todos doentes. A galinha estava choca!
- Joaquina Maria da Fonseca era avó do Sampaio e tinha vindo, com o seu dote, reconstruir a casa de Real que os franceses, do tempo das invasões, tinham deixado semi-destruída. Esta senhora que entrou na casa de Real em 1832 viria mais tarde a negociar farinhas e cereais na cidade do Porto e outras terras, acabando por passar o seu negócio para o neto de que estamos a escrever, tornando-se, este, comerciante. Para tal criou um armazém no lugar onde mais tarde viria a construir a fábrica de serração, em frente da estação do caminho-de-ferro, na Trofa – frente Poente. A avó Joaquina, sempre vigilante enquanto viveu, todas as noites não se deitava sem o seu neto chegar para saber como iam os negócios. Não se esquecia a boa senhora de recordar que os ganhos deveriam ser sempre limitados. Entretanto quando morreu, em 1923 com 107 anos incompletos, levou a certeza de que o seu descendente lhe honraria a memória com os seus feitos a favor da família e da região.
- O ano de 1912 marcava o inicio da industrialização de São Martinho de Bougado. A António Sampaio se ficou a dever esse feito. Foi o primeiro de uma actividade económica que tanto haveria de enriquecer a região. Foi bem próximo da antiga igreja matriz desta freguesia, onde existia o armazém de farinha e cereais que António Sampaio fundou a fábrica de serração com o nome comercial de <>, de A. Sampaio.
- A fábrica, onde os comboios entravam para carregamentos de mercadorias, principalmente tabuinha, tinha uma mensagem de progresso de que o seu proprietário a cada momento transmitia. Por isso dotou as instalações industriais de uma moagem, aproveitando a força matriz da caldeira, dinamizando assim os negócios de cereais. Depois criou uma oficina mecânica para prestar assistência à fábrica. Não satisfeito com isto tudo, ainda fundou, antes dos anos 20, uma fábrica de pentes com o nome comercial de <>. Estas actividades enquadravam-se todas na mesma organização industrial.
- António Sampaio, o homem que adorava as iniciativas nos caminhos do progresso local. Os postos de trabalho eram criados em ordem à produção de riqueza que havia de dar para todos e por isso alargava a sua actividade até ao estrangeiro, para onde exportava mercadorias da sua serração e de muitas outras do norte de Portugal. Os vagões carregados, dentro da própria fábrica, levavam a tabuinha até aos barcos, em Leixões, e dali partiam com destino a outras civilizações, levando produtos que os montes da região criavam e o trabalho das gentes dedicadas dos Bougados – Santiago e São Martinho – transformava.
- A oficina mecânica de A. Sampaio é pouco recordada pelas pessoas porque funcionava primeiramente como ponto de fabrico e manutenção de peças e máquinas para a própria serração e só depois é que fazia trabalhos para o exterior. No entanto, é bom e justo recordar-se que nela se criaram máquinas então inéditas no Mundo, de tal forma importantes e significativas que ainda se comercializam na Trofa para o Mundo com bons resultados! Para falar deste aspecto demos palavra ao fundador da MIDA, Alfredo Ferreira de Abreu, produtor de máquinas que, sobre António Moreira da Fonseca Sampaio, dá o seu testemunho:
- "Homem dotado de espírito inventivo, coube-lhe a honra de ter sido ele a construir em 1917, na sua serralharia mecânica, a primeira serra de fita com uma estrutura em cimento armado. Esta máquina era então inédita em Portugal e no Mundo.
- Depois de ensaiada e aprovada na sua serração, continuou a produzi-la para si e para outras serrações que iniciavam as suas actividades com estas máquinas que, pelo seu preço e eficiência, foram industrializadas por muitas fábricas espalhadas no nosso país. É de notar que ainda hoje se continuam a fabricar com mais ritmo, ao ponto de serem exportadas para países estrangeiros. Em abono da verdade pode concluir-se que esta serra de fita em tronco de cimento, foi a base de todo o desenvolvimento metalomecânico no nosso meio e deu origem ao aparecimento das fábricas de maquinas para trabalhar madeira da Trofa, tendo, por isso, se tornado um centro industrial neste sector.
- As máquinas que serviram para construir as serras de fita foram também motivo de estudo e de invenção do senhor Sampaio, que construiu a primeira fábrica de aplanar ferros com montantes e base em cimento armado, bem como a máquina para tornear os volantes das serras. Esta constitui a máquina mais espectacular pela sua simplicidade e eficiência, também montada sobre base de cimento armado e que ainda não foi possível substituir, apesar do desenvolvimento da técnica desde então. Este torno, cujos volantes se torneiam por si próprios, ainda hoje equipa as mais modernas fábricas da região.
- O desejo maior do senhor Sampaio era que todos construíssem em benefício do desenvolvimento e do progresso de todos e da sua terra. É merecedor de homenagem póstuma pelo que fez na sua época".
- António Moreira da Fonseca Sampaio com todas as suas ocupações só em 1915, quando tinha 36 anos de idade, é que se lembrou que também devia casar.
- Conhecia, no lugar de Carqueijoso, da freguesia de São Martinho de Bougado, uma rapariga bonita, filha de um pedreiro e um dia foi bater-lhe à porta. A Rita, era assim que ela se chamava, apareceu enfarinhada – era padeira – ao postigo. As faces rosadas e empoeiradas de farinha davam-lhe aquele poder atractivo que absorvia a diferença abismal da posição social que havia entre ambos.
- António Sampaio pergunta-lhe, de chofre:
- - Ò Rita, queres casar comigo?
- - Vossemecê está a brincar?
- - A sério, queres casar comigo ou não?
- - Não sei…Vou dizer à mãe…!
- - Não digas. Eu depois falo com ela.
- E foi assim. Daí a três meses casaram um com o outro sem nunca terem namorado, a não ser uns encontros nocturnos, à lareira, em casa dos pais da Rita, e contrariando a vontade dos familiares de António Sampaio.
- O casamento realizou-se em 17 de Novembro de 1915 na Igreja de Santo Tirso, tendo sido usado o comboio como meio de transporte. Quando os noivos chegaram à Estação da Trofa, os encarregados da Industrial do Ave convenceram-nos a passar pela fábrica onde uma recepção festiva os aguardava. Aí houve discursos com palavras quentes de felicitações pronunciadas pelo Padre Joaquim e pelo Abade Santagões. Finda a recepção, cada noivo foi para casa da sua família.
- Como a noiva era pobre, foi António Sampaio que, nos dois dias subsequentes ao casamento, lhe deu o enxoval. Montada a casa, passados três dias dormiram juntos pela primeira vez ficando assim finalmente consumado o Matrimónio entre António Moreira da Fonseca Sampaio e Rita Maria da Costa Reis que haveriam de construir um lar com entendimento total dos conjugues.
- Agosto de 1924. A. Sampaio prepara um embarque de tabuinha. As serrações do norte tinham enchido a fábrica com os seus fornecimentos. Estava tudo organizado para que dentro de dias um barco, em Leixões, carregasse tudo. Mas o imprevisto acontece. Na noite de 9 de Agosto, chamas alterosas e destruidoras alarmam a região. Um cenário fantasmagórico espalha pelos Bougados o espectro da desgraça. Era a Industrial do Ave que ardia provocando um quadro dantesco de respeito pelo medo.
- O Sampaio, cabelos em pé, chinelos nos pés, aí vai para dentro daquilo que era grande parte da sua vida material, à procura de quê? De nada porque nada restava. Deixa tudo, dirige-se para a Igreja e reza ali, de joelhos, em frente ao sacrário, reza para que Deus o ajude a ganhar coragem para tudo recomeçar. Era o homem da esperança, apesar de tudo.
- Finda a oração dirige-se a casa do pai e, lágrimas nos olhos, pára em frente dele e sente esvaziar-se-lhe a coragem. O pai, bem de frente, segura-o pelos ombros, deixa-o acabar de chorar e diz-lhe:
- "Deus to deu, Deus to tirou. Foi lá que tu o ganhaste, foi lá que tu o perdeste. Esgravata que lá o hás-de encontrar".
- A fábrica estava no seguro em trinta contos e os prejuízos foram mais de mil e setecentos contos e a sombra da fome espalhava-se por muitos lares que ali encontravam o seu sustento. Mas no dia seguinte António Sampaio, das cinzas, começa a fazer renascer a sua fábrica.
- Uma desgraça nunca vem só. A Rita estava grávida na altura do incêndio. A aflição foi grande e em Fevereiro seguinte, após o parto, enlouquece. A gente humilde da região mobiliza-se e as orações e preces à Senhora das Dores são às torrentes, implorando a cura daquela que designavam como a <>.
- A doença é vencida e em Agosto seguinte, na procissão da festa de Nossa Senhora das Dores, houve muitas pessoas que fizeram o percurso da igreja à capela e desta à igreja atrás do andor da Senhora das Dores, cumprindo promessa pela Rita.
- Sampaio recomeçou. Agora a moagem e os pentes não renasceram. Outras iniciativas surgiram. Primeiro aproveitou a energia motriz da caldeira da serração para produzir electricidade para a fábrica e a casa. Depois entendeu que devera estender a sua acção à região promovendo a electrificação desta. Para isso fez um contrato com a Chenop sendo ele o concessionário da energia recebida, transformada e distribuída por si mediante o compromisso de um consumo mínimo.
- Como não deu os resultados económicos equilibrados, pois o consumo era sempre inferior à exigência mínima do contrato com o fornecedor, então montou novo gerador e passou a produzir quase toda a energia eléctrica. Andou nisto desde 1927, durante 20 anos sob concessão da Câmara Municipal de Santo Tirso. Finalmente a Autarquia Concelhia comprou-lhe a rede de distribuição nos Bougados por 400 contos não lhe renovando a concessão.
- Enquanto A. Sampaio foi o fornecedor da electricidade as igrejas e as capelas da região foram dispensadas de pagar a energia consumida.
- António Sampaio, o homem forte da industrialização das terras da Trofa. Para além das suas organizações ajudava os outros como foi o caso da cedência gratuita dum barracão, em 1926, a Abílio da Costa Couto, Joaquim da Costa Pereira Serra e Augusto da Costa Azevedo para montagem de uma fábrica têxtil.
- Década de trinta. O Mundo sabia que estava eminente a II Guerra Mundial. Portugal era então um cantinho sossegado. A FIAT italiana ambicionava vir para Portugal fabricar automóveis. António Sampaio movimentou-se, descobriu as pessoas que tratavam disso e praticamente concretizou o negócio da instalação da fábrica em São Martinho de Bougado, à face da estrada Porto-Braga, em frente à actual sede dos bombeiros. Entretanto, em 1939, rebenta a guerra e a FIAT já não pode sair de Itália.
- António Sampaio não parava de promover a sua terra e sempre que lhe constava que ía ser construída mais uma fábrica logo se metia a caminho com o objectivo de a trazer para os Bougados. Assim aconteceu mais uma vez no inicio dos anos quarenta quando tentou que a MABOR ficasse instalada na margem esquerda do Ave. Só que neste caso, os Lousadenses – Vila Nova de Famalicão – andaram mais depressa.
- Este homem sobre quem se escreve possuía um escritório no Porto para aí serem tratados todos os assuntos relacionados com a exportação dos seus produtos. Nele trabalhava, como empregado, Américo Aguiar.
- Uma certa tarde o Américo dirigindo-se-lhe, disse:
- - Senhor Sampaio, no fim do mês despeço-me.
- - Ó rapaz, eu preciso de ti aqui, porque te vais embora?
- - Olhe, vou porque quero ir tentar a minha sorte para África.
- - Olha Américo – respondeu o Sampaio – vai e sê feliz. Já que eu não consegui, até agora, satisfazer a minha grande ambição de montar uma fábrica em África, concretiza tu esse meu sonho.
- Passados uns anos o Sampaio recebe uma carte com uma fotografia do Américo Aguiar. Era Padre e tinha fundado a Casa do Gaiato. A partir desse momento o Padre Américo passou a ter mais um admirador e colaborador material.
- Em 1939, o primeiro industrial de São Martinho de Bougado passou a oficina mecânica dedicando-se mais à serração.
- António Sampaio. Homem que passava por esses montes calculando a tonelagem de pinheiros e deitando contas à sua vida e à dos seus trabalhadores, sempre na esperança de dias melhores para todos.
- António Sampaio. O homem de actividades múltiplas. Já falamos da actividade comercial e industrial, mas não podemos deixar de recordar o que foi, tantas vezes, a sua aventura agrícola.
- Foi no Vau (lugar de São Martinho de Bougado) que plantou arroz dois anos seguidos, na esperança de uma inovação grandiosa. Os resultados práticos não foram favoráveis fundamentalmente por causa do descasque, mas tentou, saindo das normas produtivas tradicionais da região.
- Cultivou cânhamo numa tentativa de obter matéria-prima fibrosa… e obteve-a, fornecendo-a à Empresa Fabril do Norte.
- Dedicou-se à cultura do trigo com interesse, obtendo no ano cerealífero de 1938/39 o premio distrital "A MELHOR SEARA" da média propriedade.
- A casa agrícola da Samogueira foi dinamizada de tal forma, sob sua orientação, que os resultados produtivos anuais eram sempre significativos.
- Este homem, teimoso como poucos, naquilo em que se metia a sério só parava na vitória. Era assim.
- Nervoso, apressado, enfrentava a vida com o realismo de que a esta coisa é curta e por isso tem que se viver todos os minutos. Dai que tenha pedido autorização aos caminhos-de-ferro para abrir uma passagem da sua casa para a via férrea, ali, ao lado da fábrica e bem pertinho da antiga Igreja Matriz de São Martinho de Bougado. E era vulgar sair de casa a correr para o comboio quando este chegava à estação, deixando na mesa a sopa a meio.
- Crente fervoroso, terço no bolso, missa e comunhão praticamente diárias, assistindo quantas vezes, às três missas dominicais. Rezava por todos.
- A vontade de Deus era para se cumprir, por isso a sua mulher teve nove filhos e quando os médicos a proibiram de alcançar mais, sob a pena de morrer, então agarrou da sua cama e deslocou-a para outro quarto. E a partir dos cinquenta anos ele e a mulher viveram durante doze anos, tantos quantos a Rita durou, em castidade plena. Amigos, quem é capaz de fazer isto?
- António Sampaio. O homem que viu o estertor da morte roubar a vida a muitos familiares. Foram filhos que partiram agarrados às suas mãos no desespero supremo de que nem o pai os pôde salvar. E ele, lágrimas escondidas na aflição de quem não pode valer a quem tanto quer, aguentava porque era vontade de Deus. Mas a maior dor sentiu-a quando Deus lhe levou a Rita; sua companheira e único amor. Na hora da partida, quando lhe encomendava a alma a Deus, as suas orações eram uma despedida eterna de esperança num reencontro na presença acalentadora de Deus.
- Amou-a com carinho, indo busca-la a uma família digna, mas humilde, premiando as suas qualidades e na hora da partida lembrava-se das grandes coisas daquela mulher.
- - Era o caldo dos pobres que ela todos os dias fazia na panela de ferro no terreiro da casa e depois distribuía pelos numerosos mendigos que ali, diariamente, apareciam na hora de almoço.
- - Era a visita dominical que fazia na sua companhia, principalmente aos pobres e doentes do Castêlo, Valdeirigo e Paradela – lugares da freguesia de São Martinho de Bougado. Aí Rita deixava em casa de cada um cereais ou pingue e ele metia a mão ao bolso e o silêncio acompanhava-a no regresso até debaixo da travesseira da cama.
- - E era, sobretudo, a resignação com que ela, sempre de boa cara, enfrentara a doença que a atormentava tão duramente.
- António Sampaio morreu em 30 de Janeiro de 1969 com 90 anos incompletos. Nunca soube que a sua querida fábrica de serração fora encerrada um ano antes da sua morte. Os familiares pouparam-lhe o desgosto até ao fim. Antes da morte este benemérito fez passar pela memória terrena factos importantes da sua vida. Não se tinha esquecido das Boas Festas que lhe cantavam no fim do ano, em que cada grupo de conterrâneos era recebido em casa com regueifa, figos e vinho. Recordava-se da festa de Nossa Senhora das Dores que organizou e lembrava-se muito bem das palavras que um trofense lhe dirigiu quando andava a fazer o peditório:
- - Quem não pode não se mete nelas.
- E aqui, o Sampaio, também se recordava que mandou parar o peditório e pagou a festa sozinho. E recordava-se da velha amizade a António da Costa Ferreira, lutando os dois lado a lado pelo progresso da sua terra, não obstante ser Monárquico e o Costa Ferreira, Republicano.
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