Casa da Serra, da Trofa. (Ascendência, Descendência e Colaterais)
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Fontes
Árvore Genealogica da Familia Serra, páginas 2 e 3.

Misérias e Grandezas das Terras de Bougado, pág.s 197 a 208. Livraria Solivros de Portugal / 1984.
Manuel da Costa Pereira Serra
* 06.07.1894 + 23.06.1970
Pais
Mãe: Ana Dias de Araújo * 11.08.1865
Casamentos
1916
Filhos
Notas Biográficas
  • Mosteirô, lugar da freguesia de São Martinho de Bougado, actual concelho da Trofa, tem todas as características para ser terra de poetas e pensadores. Certamente que outros haverá ou hão-de surgir do anonimato tal como a descoberta que aqui se reproduz.
  • Manuelzinho da Serra, assim era tratado entre amigos, habituou-se a reflectir nas coisas da sua terra e da vida dos homens, deixando depois, no papel, um pensamento arguto indicador dum estado de espírito, um comentário bem-humorado sobre um facto ocorrido na região… enfim, o quotidiano da sua geração e desta terra.
  • Na meninice aprendeu a ler e a escrever e fez a sua adolescência em contacto com a natureza, linda e bela, da Casa da Aldeia, Mosteirô. Ouviu a música da passarada espalhada na encosta ao romper de cada aurora.
  • Viu a paisagem multicolor da vegetação campestre que enfeitava a primavera. Sentiu o odor campesino duma leiva fresca, virada à espera duma sementeira para germinar e produzir. Observou a paisagem amarelecida do Outono convidando à reflexão da vida passada. E sobretudo viu a geada branca e ténue parando o ciclo vegetativo da natureza na estação fria.
  • Manuel Serra olhava a aldeia, absorvia intelectualmente a sua imagem e arquivava-a no recôndito espiritual do seu ser. Ia assim acumulando imagens atrás de imagens da terra que lhe servia de berço e um dia deixou este testemunho:
  • Mosteirô, Minha Terra
  • Mosteirô está despertando
  • O progresso dia a dia!...
  • ………………………….
  • Simpático e todo belo,
  • Um lugar encantador,
  • Pois nele vim encontrar
  • O sonho, o encanto e o amor.
  • Os dias que vão passando,
  • Nesta terra de beleza,
  • São raios de sol brilhando!
  • Cá não pode haver tristeza.
  • A ventura desta gente
  • É gostar de trabalhar.
  • ……………………..
  • Não pode haver alegria
  • Ah! Que à minha seja igual!
  • Ver este lindo cantinho
  • Que pertence a Portugal.
  • Este poeta de Mosteirô sabia, a seu modo, transmitir ao papel os seus sentimentos mais íntimos. E não foi capaz de esconder que na sua aldeia encontrou “o sonho, o encanto e o amor”.
  • As verdades na boca dos poetas adquirem sempre uma forma mística. Neste caso o realismo já fazia escola nas Terras de Bougado na década de trinta deste século, altura em que o nosso poeta despontava exactamente do amor que procurou, encontrou e amou, na sua aldeia natal.
  • A companheira de seus sonhos chamou-se D. Maria Dias do Couto, mostoeirense de nascimento. O Manuelzinho da Serra e a Maria da Serra – como foi conhecida – iniciaram um romance de noivado exactamente no dia do casamento, em 1916 e completaram-no em Junho de 1970, ela no dia 9 e ele no dia 23, data em que partiram rumo à eternidade, com a esperança comum de continuarem aquilo que na vida terrena fizeram: ajuda mútua, num entendimento constante.
  • Morreu a Maria, primeiro, após 79 anos de vida terrena onde deu tudo para que a família que criou fosse um exemplo em dignidade e em amor à família e à própria terra. Sucumbiu o Manuel à saudade provocada pela despedida da companheira, duas semanas após, com pressa de ir ao encontro dela.
  • Manuel Serra não podia viver só com a memória daquela que fora durante cinquenta e quatro anos sua esposa. Tinha-se-lhe entregue há muitos anos. E ainda na plenitude dos seu dotes físicos e intelectuais, este homem que sabia compartilhar inteiramente com a companheira todos os momentos da vida, falava assim, sozinho, para o papel sobre o entendimento da vida de um casal:
  • Mulher, Companheira
  • Sempre viveu a mulher,
  • Desde a sua criação,
  • Considerada uma escrava,
  • Sem nenhuma protecção.
  • Foi assim em Nazaré
  • Naquela pobre casinha…
  • ………………………..
  • Ficou a ser a mulher
  • Do lar, anjo bendito
  • Cheia de amor e carinho
  • Por obra do mesmo Cristo.
  • És da família senhora.
  • Do lar a paz conjugal.
  • E da família a alegria
  • Com direito paternal.
  • Esta foi a expressão bem rica com que Manuel Serra soube homenagear a mulher, mãe dos seus filhos e sobretudo o centro irradiador e dinamizador da família que construiu.
  • O Senhor Manuel Serra e a Senhora D. Maria do Couto edificaram uma família de seis filhos, três rapazes e três raparigas, a quem educaram no amor, na autoridade e no exemplo. Este casal soube transmitir aos seus descendentes uma imagem de seriedade e de respeito. E quando partiram, uma após o outro, certamente que o fizeram satisfeitos com a imagem que deixaram e com a família que criaram.
  • Cabe ainda aqui uma palavra sobre a religiosidade deste casal.
  • Crentes em Deus e nos seus Santos, apoiavam as suas vidas na fé, não descurando o uso dos Sacramentos. Partiam de Mosteiro, nas noites nas noites fechadas do inverno, à luz de uma lumieira ou do lampião, à procura do alimento espiritual na igreja matriz. E Manuel Serra nas horas mais difíceis da vida apegava-se à Senhora das Dores com igual de esperança à dum filho quando faz um pedido à mãe.
  • A vida da família era apoiada na crença da magnitude de Deus e por isso sabia rezar-Lhe, em cada dia, no fim da ceia, na cozinha, à volta do lar, o terço numa oração conjunta de agradecimento pela protecção que Deus tinha enviado aquela casa, protegendo vidas, haveres e trabalho durante mais um dia. Ali, em volta do lar, de pé, a família toda reunida, rezava em conjunto, dialogando com Deus.
  • Belo exemplo!
  • Os pobres sabiam procurar a Casa de Aldeia, em Mosteirô, no dia próprio da esmola que era semanalmente ao sábado. Nesse dia os pobres duma vasta região procuravam a tigela da sopa e mais qualquer coisa, na hora de jantar. Era assim como a sopa dos pobres era distribuída a partir de uma grande panela de ferro onde, ao sábado, o caldo de hortaliça e feijão era feito para chegar e sobejar.
  • Embora nos outros dias não fosse tradicional de esmola, os pobres da freguesia, quando estavam carecidos, recorriam a Mosteirô, à Casa da Aldeia procurando a tigela do caldo. Eles sabiam que ali se dava a esmola todos os dias.
  • Havia ainda dias próprios de esmolas diferentes. Assim no dia de Todos-os-Santos os pobres pediam milho e este lhes era dado. No Natal o vinho, as batatas e a hortaliça. E no Carnaval, a talhadinha de carne de porco.
  • Ali, na Casa da Aldeia, a palavra solidariedade não se pronunciava, praticava-se.
  • Manuel da Serra era agricultor. Cada manhã, ao romper do dia, partia rumo ao cultivo da terra. Quantas vezes o nascer do sol o encontrou a carregar o carro do mato, a lavrar uma jeira, preparando-a para a sementeira ou a regar um campo de milho.
  • Este homem, como todos os agricultores, repetia todos os anos os mesmos caminhos de jornada em busca de boas colheitas, - pelo menos com essa esperança – na perspectiva de melhores dias para os filhos.
  • Canseiras enormes e preocupações constantes punham este homem a olhar para as searas e a meditar na construção do futuro a partir do presente, nem sempre risonho.
  • Vejamos o seu pensamento:
  • Levanta-te lavrador
  • Já é tempo de acordares.
  • Vê se pagam o trigo
  • Para o adubo pagares.
  • Se não tens com que pagar,
  • Vende as vacas e os bois.
  • Quando te pagar o trigo
  • Compras outras depois.
  • Agora para o ano
  • Sabes como hás-de fazer?
  • Não entregar o triguinho
  • Sem dinheiro receber.
  • Este excerto de um poema do biografado mostra bem o pensamento prático de lavrador. Tal como hoje, não bastava produzir. Era necessário realizar dinheiro com a produção excedente do consumo familiar. Afinal um poeta lavrador.
  • Apesar de proprietário abastado não teve só horas boas.
  • Foi nos finais da década de trinta. A guerra civil de Espanha e depois a segunda guerra mundial foram contemporâneas com uma crise económica que abalou muita gente. Manuel Serra não escapou à crise generalizada e também sentiu um enorme no aspecto económico. Depois da tempestade vem a bonança.
  • Lavrador, bom dirigente, usando a imaginação como fulcro da sua actividade, mandou murar uma bouça e aí instalou uma produção de coelhos que davam para a casa e ainda sobejavam muitos para a venda. A ideia era boa, só que, certa noite, os cães, por artes imaginosas, conseguiram saltar a vedação e destroçaram uma boa parte da produção.
  • A partir daí Manuelzinho da Serra perdeu o gosto pelos coelhos e acabou com o resto.
  • Criou um moinho movido por água captada num poço e acumulada em tanque. A partir daqui a água fazia mover um moinho que moía a fornada da família e os cereais necessários à alimentação dos animais domésticos da casa.
  • Lavrador actualizado arranjava sempre uns minutos em cada dia para ler um jornal diário sabendo assim o que se passava na região, no país e no mundo. De resto alguma da sua poesia mostra o conhecimento perfeito da actualidade do seu tempo.
  • Manuel da Costa Pereira Serra era um monárquico pacifista que da política tinha a noção de que as funções públicas, na sua terra, tinham de ser desempenhadas e por isso não negava o seu contributo nem a sua disponibilidade.
  • Foi Presidente da Junta de Freguesia de São Martinho de Bougado no inicio dos anos quarenta, numa altura em que a fome provocada pela guerra de 1939/1945 avassalava todo o Mundo. São Martinho de Bougado não podia ficar incólume nessa desgraça, ainda que o seu Presidente da Junta fizesse tudo para minorar o mais possível a carência de alimentos.
  • Na altura, o Presidente da Junta de Freguesia recorria a terras como Ponte de Lima e Fafe onde se abastecia de milho para o fabrico de pão. Este negócio era sempre feito à sucapa das populações para que o milho pudesse chegar a porto seguro. Conta-se até que um dia estava pronto um vagão de milho em Fafe com destino à Trofa. Houve alguém que descobriu e alertou a Guarda Nacional Republicana local e esta deslocou-se à estação com o fim de impedir a partida da mercadoria.
  • Na estação houve alarme e havia que dar a partida ao comboio antes que a autoridade chegasse.
  • Era chefe da estação Artur da Silva e Sá, homem das terras de Bougado, mas que ainda se encontrava a descansar.
  • “Calma!” – respondeu Artur da Silva e Sá – “Daqui resolvo tudo”.
  • Saltou da cama, dirigiu-se à janela e, com o assobio, dá partida ao comboio. Quando a GNR chegou ainda viu a cauda do comboio.
  • Manuelzinho da Serra era um apaixonado pelas coisas da sua terra. Bairrista intransigente, alinhava na primeira linha das realizações locais. Participava em Confrarias e festas religiosas, encontrando sempre disponibilidade para tal. Foi um dos grandes defensores e animadores das festas civis de Nossa Senhora das Dores. E não se esquecia de participar sempre no cortejo anual para o hospital concelhio, oferecendo uma boa carrada de utilidades.
  • Nas horas de nostalgia, este Bougadense de São Martinho, dedilhava o cavaquinho, seu companheiro das melancolias. Afinal nem todas as horas são alegres na vida de uma pessoa.
  • Nos seus versos Manuel da Costa Pereira Serra – era assim que ele os assinava – mostrava-se defensor acérrimo da sua terra e dos seus valores, até com uma certa graça.
  • Vejamos:
  • Ponte Pênsil da Trofa
  • Eu vou contar uma história
  • Sobre uma ponte de pau,
  • Lembrada ponte da Trofa,
  • Antiga ponte do Vau.
  • Esta é já tão antiguinha
  • Como a história da Barca;
  • Também era conhecida
  • Por ponte pênsil da Barca.
  • Mas agora o que não lemba,
  • Deixemo-nos de ilusão,
  • É que essa bonita ponte
  • Se chame de Ribeirão.
  • Eu cá sempre ouvi chamar
  • E tenho visto na história
  • A ponte pênsil da Trofa,
  • Se não me falha a memória.
  • Agora caros amigos,
  • Esta é mais disparatada:
  • Credo! Uma ponte de pau
  • Também ter de ser crismada!...
  • Quer de um lado quer de outro
  • Parece ser pretendida
  • Os da Trofa e Ribeirão
  • Pela ponte dão a vida.
  • P’ra todos ficar contentes
  • Não andar de cara ao lado,
  • Ah! Parte-se ao meio a ponte
  • Ribeirão leva um bocado.
  • Nesta poesia está o reflexo da cobiça que houve nos anos trinta – fim do seu reinado – à ponte pênsil da Trofa por parte das gentes de Ribeirão. Neste poema está um bom naco do quotidiano de uma geração. A região teve então em Manuel Serra um poeta humorista que sabia tratar as coisas com graça e subtileza de modo a levantar as questões sem melindrar qualquer das partes.
  • Falamos do lavrador, do regionalista, do bairrista, do político, do chefe de família. Mostramos alguma da sua poesia e será com ela que se termina a biografia de um poeta mosteiroense. Vamos terminar com o seu poema mais querido. É um misto de regionalismo, de ternura, de esperança na grandeza de Deus, de dúvida como será a vida eterna e da certeza sobre a despedida. A certeza que ele canta.
  • “Além, na campa, são todos iguais!” deve ter inspirado toda a sua vida de generosidade e de boa vontade.
  • Mosteiro, não deixes no esquecimento
  • O teu nome, que tanto te custou.
  • És a linda terra que sempre amei
  • E Deus com sua graça abençoou.
  • Os moradores são abençoados
  • Com as virtudes que Deus os dotou.
  • Assim é o Mundo, assim é a vida,
  • Assim será a morte que Deus pensou.
  • Pensei um pouco como será a morte
  • Deixando o mundo cheio de clarão,
  • Recordando sempre a triste viagem
  • Que será com Deus no coração.
  • Gozar…sofrer…, isso é grande segredo.
  • Não há quem possa falar mais verdade.
  • O corpo morre, baixa à sepultura,
  • A alma segue rumando à Eternidade.
  • Adeus grandezas para nunca mais.
  • Voltareis de novo a casa paterna,
  • Deixareis o corpo na solidão.
  • A nossa alma será p’rá vida eterna.
  • Adeus mundo que és bem enganador.
  • Aqui não há poetas nem generais.
  • No mundo terreno só há grandezas,
  • Além, na campa, todos são iguais.
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