"16 apontamentos" - Última inclusão: ITA DE METZ (Séc. XI)
Página Inicial | Contacto
 

O Pecado do Bacharel
História
  • O meu quarto avô de varonia, o dr. António Tavares de Almeida, nasceu em Lisboa numa casa que a família possuía em S. Tomé e em cuja igreja foi baptizado em 11 de Março de 1758, pouco mais de 3 anos depois do terramoto.
  • Foram seus padrinhos o avô, Gaspar Mendes Castanho e sua tia D. Helena Ricarda Tavares de Almeida. Aliás, na sua geração e nas duas anteriores, sempre um dos padrinhos era tio ou, na falta de tios, um primo.
  • Seu pai, o dr. João Tavares de Almeida, filho segundo e por isso residente em S. Tomé, foi durante mais de quarenta anos advogado na Casa da Suplicação, enquanto o seu tio, o dr. António Tavares de Almeida, residia na Quinta Da Corrêa, vinculada e de que se tornaria o administrador pouco depois, porquanto Gaspar Mendes Castanho morreria assassinado a 15 de Janeiro de 1759.
  • Gaspar Mendes Castanho, comerciante de grosso trato na praça de Lisboa, apesar de idoso, não desperdiçou os incentivos oferecidos por Pombal para a reconstrução e alargamento de Lisboa. Ou porque já os possuísse ou porque os tivesse adquirido, construiu nuns terrenos em Belém, extra-muros de Lisboa e então ainda freguesia de Benfica, onde se situava a Da Corrêa.
  • António, o meu quarto avô, estudou em Coimbra, bacharelou-se em Leis e ainda foi opositor aos lugares de letras mas, tendo morrido o seu tio António sem descendência, herdou a administração do vínculo, instalou-se na Da Corrêa e não voltou a exercer a profissão até 1811.
  • Ao invés, seu irmão, o dr. Francisco Tavares de Almeida, ocupou a casa de S. Tomé como era tradicional e seguiu a magistratura terminando como Desembargador da Relação do Porto. Entre outros, desempenhou o cargo de Auditor do Estado-Maior da Guarda Real de Polícia, foi Corregedor do Crime do Bairro de Belém e Oeiras, Ouvidor da Capitania do Pará e Provedor dos Defuntos e Ausentes na mesma capitania, em cuja Catedral foi armado cavaleiro de Cristo. Teve Carta d'Armas de Nobreza e Fidalguia em 1802 - Tavares e Almeidas, com timbre dos primeiros - e faleceu em 25 de Maio de 1814, tendo deixado a quantia de 200$000 réis a sua irmã D. Maria Teodora e toda a sua fortuna ao serviçal António Victorino de Almeida.
  • Entretanto António, ainda solteiro, legitimou em 25 de Agosto de 1792, por filho de mãe incógnita, a João, nascido a 23 de Março e baptizado a 25 de Maio como filho de pais incógnitos. Este João Tavares de Almeida viria a ser militar e, sendo capitão de Cavalaria 9, serviu na Polícia de Lisboa pelo que seria preso com o regresso do Senhor D. Miguel e morreria em S. Julião da Barra a 24 de Outubro de 1830.
  • Passados 10 anos do nascimento deste malogrado João, o meu quarto avô António casa finalmente a 3 de Julho de 1802, com 44 anos feitos, com D. Rosa Joaquina da Purificação, de 38 anos, viúva de Manuel de Oliveira, sargento da Artilharia do Algarve e filha de José Fernandes de Arez, capitão de Artilharia. Casa na Ermida de Nª Sª da Assunção, na Quinta do Falcão, freguesia de Carnide e termo de Benfica, tendo como celebrante o pároco de Benfica e como testemunhas outros dois padres de lugares próximos.
  • Logo em 2 de Agosto de 1803, 13 meses depois, nasceu o meu trisavô Francisco Tavares de Almeida, que foi o último administrador Da Corrêa e se reformaria como coronel da Brigada Naval. Não teve padrinhos familiares pois foi padrinho um padre local e madrinha foi Nª Sª do Amparo, a padroeira da freguesia de Benfica.
  • Em 1806 nasce Maria, que morreria meses depois e teve por padrinho seu irmão João, então com 14 anos incompletos e madrinha a mesma Nª Sª do Amparo.
  • Em 1807 nasce Jacinto Luís, que embarcaria como alferes para os Estados da Índia - onde não chegou, ignorando-se o que lhe sucedeu - e que teve como único padrinho Manuel Ezequiel de Castro que não se sabe quem foi.
  • Em 1811, já com 53 anos de idade, o meu quarto avô retomou a carreira e durante cinco anos foi Juiz de Fora em Serpa, resignando em 1816. Faleceu na Da Corrêa, de doença súbita em 25 de Março de 1825.
  • Durante muitos anos, foi o que sabia. E, com estes dados, enfatizei as consequências do tardio casamento do meu quarto avô com uma viúva e filha de militares:
    Numa respeitável família com saudáveis tradições coimbrãs - em três gerações sucessivas, licenciados em leis - em que nunca existira um militar, os três filhos do meu quarto avô são militares, o meu bisavô, único varão sobrevivo, reforma-se como tenente-coronel, dois de seus primos morrem generais, além de diversas senhoras da família casarem em famílias de militares. Uma verdadeira praga, embora reconhecesse à minha tetravó a virtude de nunca ter repudiado o filho do marido, com cuja família - seis filhos - ainda viveu depois de viúva quando este foi colocado longe de Lisboa e depois dele morrer.
  • Também as consequências de uma família alargada teriam forçado o meu quarto avô a retomar a carreira, tanto mais que, sendo a Quinta Da Corrêa vinculada, as heranças e sustento de irmãs e tias solteiras, teriam diminuído o património familiar. Quanto ao testamento do irmão desembargador, comecei por admitir que o serviçal pudesse ser filho natural - pela coincidência do apelido Almeida - mas cedo pus a ideia de parte por ser evidente que a nossa varonia familiar é Tavares, o que sempre foi privilegiado; admiti também que talvez tivesse existido uma relação pessoal próxima com o serviçal mas, como é evidente, deixei o pormenor de parte.

  • Pensava eu que sabia muito! E, de facto, os pormenores que omiti, poderiam duplicar o texto.

  • Mas, há relativamente pouco tempo, o dr. José Maria Tavares de Almeida Malveiro, meu primo afastado mas amigo próximo, investigando a ascendência de sua mulher, topou em Serpa com o casamento em 1815 de um dr. João José de Araújo Velasco com D. Luísa Inácia Tavares de Almeida, filha legítima do dr. António Tavares de Almeida e de sua mulher D. Rosa Joaquina da Purificação!
  • Legítima nunca podia ser. Entre o casamento em 1802 e o nascimento de meu trisavô passam treze meses; o casamento teria de ter sido com uma noiva de 6 ou 7 meses e D. Luisa Inácia ter casado com treze anos. Mas eu passara os paroquiais de Benfica a pente fino e vira os Livros das Desobrigas; não podia ser.
  • Seria legitimada e não legítima e a explicação mais provável é de que eles se relacionaram muito antes de casar; provavelmente, atendendo ao referido facto de D. Rosa Joaquina ter vivido com a sua família, o primeiro João já seria filho de ambos.
  • Depois de alguma investigação de rotina, tudo pareceu encaixar-se. D. Rosa Joaquina da Purificação casara com um então furriel, colocado na Artilharia da Côrte, em Belém, onde seu pai também prestava serviço, ainda tenente. Aí terá possivelmente arrendado uma casa ao meu quarto avô, aí se conheceram e aí iniciaram uma relação pecaminosa e socialmente inaceitável de que resultaria o nascimento de João. Este só mais de dois meses depois de nascer é baptizado como filho de pais incógnitos, o que mostra a desorientação do irregular casal. E só meses depois atinam com a solução da legitimação por filho de mãe incógnita, único meio da criança não ficar legalmente filha do furriel Oliveira, de acordo com a Lei vigente.
  • Anos depois devem ter assumido a relação e D. Rosa Joaquina vem para a Da Corrêa, como decorre do assento de casamento que dá os noivos aí residentes, embora a filha Luísa Inácia aí não tenha sido baptizada. O Manuel de Oliveira, envergonhado, resignado ou comprado, pediu transferência por troca para a Artilharia do Algarve, onde já se encontrava e de onde natural era o sogro. Foi depois promovido a sargento, baixa ao hospital e vem a morrer de doença em 1801. Decorrido o prazo internupcial da lei – um ano – os meus quartos avós casam em 1802; casam recatadamente, mesmo fora da freguesia mas sendo celebrante o pároco e efectuado o assento na mesma.
  • Mas devem ter ficado ostracizados pela família. Nem o irmão nem nenhuma das irmãs, todos solteiros, aparece a apadrinhar os filhos do casal, nenhum deixa bens ou legados aos sobrinhos.
  • Creio que o meu quarto avô, quanto mais não fosse no interesse do filho, deve ter tentado a aproximação ao irmão; este encontrava-se já em Lisboa e não vejo outro motivo para ter chamado Francisco ao meu trisavô, um nome de que o irmão fôra o primeiro na família; também o padre de Alfornel parece solução de recurso e o lugar de padrinho teria ficado reservado até ao fim para a eventualidade do irmão mudar de ideias.
  • Provavelmente nem o capitão Fernandes Arez perdoou à filha - única - pois além de não encontrar nenhuma evidência nos seus registos militares de que se tenha ausentado do Algarve, auxiliou a promoção do genro com boas informações.
  • Passados anos, ter-se-à posto ao casal o problema do casamento da filha. Em Benfica e Belém, toda a gente devia conhecer a história; relações sociais - a Da Corrêa era isolada - não deveriam existir. Creio assim ter sido esse o motivo do retomar da carreira e do exílio de cinco anos em Serpa pois, casada a menina, segue-se a resignação ao cargo menos de um ano depois, o que nem seria por doença pois só morre nove anos depois e de doença súbita.

  • Para encerrar o capítulo, falta-me apenas encontrar o assento de baptismo de D. Luísa Inácia e a legitimação, muito provavelmente junta ao próprio Sumário Matrimonial no bispado de Beja. Infelizmente, estes sumários estiveram largos anos em caixas na Junta Distrital e, porque alguns rótulos diziam “Câmara Eclesiástica” na extinção da Junta foram remetidos à “Câmara Municipal” de onde só recentemente foram remetidos ao Arquivo Distrital. Ora este tem pouco pessoal e as caixas continuam como estavam e os processos sem qualquer ordenação, ainda que por grupo de anos pelo que, além de boa vontade da Direcção do Arquivo, só com sorte ou, possivelmente, semanas de trabalho se poderá encontrar o processo.
    Já não será para mim, mas seria interessante saber como foi conseguida uma legitimação que nem por dispensa Papal era possível. Talvez invocando casamento subsequente dos pais e omitindo a data de viuvez da mãe mas não imagino quanto poderá ter custado essa omissão processual.
© 2004  Guarda-Mór, Edição de Publicações Multimédia Lda.